13 maio 2011

PREENCHER VAZIOS...



“Não sou um artista, como auto-didacta tento preencher um vazio”, disse um dia o meu pai a um jornal da região, a propósito da sua primeira mostra individual de pintura intitulada “Simbologia das Ideias” que decorreu na Galeria do Edifício Mouzinho de Albuquerque na Batalha em Dezembro de 2000.

O resultado criativo do preenchimento dos diferentes vazios na sua/nossa vida, é para mim, a essência desta exposição.

Auto-didacta convicto, o meu pai considerava a obra de Picasso e Miró, bem como a de Graça Morais, Júlio Pomar ou Amadeo Souza Cardoso, como referências que gostava de citar. A sua pintura reflecte tudo aquilo que o marcou: a guerra, a história, o sofrimento próprio e alheio, a infância, a família… E, como ele próprio gostava de aclarar, não pintava aquilo que via, mas sim aquilo que sentia, aquilo que transportava dentro de si próprio.

Penso que também foi assim na vida. Relacionava-se com a família, amigos e conhecidos, com afecto, entusiasmo e uma grande capacidade criadora. O meu pai acreditava incansavelmente na ideia de que a vida não se esgota na nossa própria vida, prolonga-se na obra que produzimos! Acreditava no poder da sua relação criativa com a vida, na qual colocava cor, ritmo, metáforas, histórias, muitas histórias! Acreditava que só assim se abre espaço para continuar a pensar, a sonhar. No fundo, a construir e a transmitir cultura!

Os seus quadros, de uma grande força expressiva e cor, reflectem bem a essência da sua personalidade, que tantas vezes assistimos, em tão variados contextos e em diferentes etapas da sua vida, inclusive até na última: a capacidade de sonhar e sorrir…

Sempre nos transmitiu o desejo que tinha em continuar a pintar, não só a sua trajectória de vida, mas também os medos, os fantasmas e o sofrimento provocado por um diagnóstico clínico tão pesado. Costumava compará-lo à sua passagem pela Guerra Colonial na Guiné e à ideia que já tinha sobrevivido a uma guerra e agora estava apenas a enfrentar mais outra...

O seu projecto pessoal passava pela partilha da sua pintura com a cidade e os leirienses. Várias vezes referiu-se à Galeria Arquivo Livraria, que considerava um espaço cultural único na cidade de Leira, com uma forte dedicação à arte e à cultura em geral.

O meu Pai vivia muito a cidade e pela cidade. Tenho a certeza que a sua vida, enquanto auto-didacta, seria para dar continuidade à sua expressão mais artística.

Ficou o projecto vivo, partiu o meu Pai.

Agradeço calorosamente à Galeria Arquivo Livraria, em particular à Xana Vieira, a possibilidade desta partilha.

Patrícia António

Sem comentários: